domingo, 8 de março de 2009

Renaissance

Resolvi cumprir minha palavra e deixei seu quarto. Ele ainda dormia enquanto eu me vestia, mas seus olhos me perseguiram durante os passos finais. As flores continuaram sobre a cama, mas eu carreguei seu gosto e toques em meu corpo.

Assim que embarquei no trem, ainda perdida quanto ao rumo de minha vida, ouvi o toque do celular:

- você sempre soube fazer saídas triunfais.
- mas continuo preferindo as entradas, são mais alegres.
- te devolvo seu sorriso, se quiser.
- você sabe o que tem a fazer, não quero atrapalhar.
- te encontrarei no final.

Sabia que no final nossos passos se encarregariam de cruzar os caminhos. Mas os sentimentos me traíram antes disso, e me vi perdida em Amsterdã graças as nossas palavras. Não haviam Mostardas, mas as tulipas continuavam me encantando. Entre rostos desconhecidos, só lembrei dele.

Kattengat 1, Amsterdam, 1012 SZ – Netherlands. Não demore, mon amour.

O quarto do hotel pedia sua presença, assim como minha mente suspirava seu nome atordoando meus pensamentos. A música, o banho, e o vento fresco que vinha da direção de Koepelkerk. Lá em baixo vi seu carro se aproximar e, assim que desceu, nossos olhares se cruzaram. Ele viera. A visão foi saciada, mas minhas mãos buscavam o abraço de alguns metros. A espera aumentou a tensão e as batidas incertas do coração. Em segundos estava em seus braços, respirava seu ar e descansava a cabeça com pedidos atendidos em seu peito.

- isso não deveria estar acontecendo.
- já desperdiçamos palavras demais.

O beijo. As mãos. Os toques. Os suspiros e gemidos. Continuava me sentindo protegida ao seu lado e, naquela noite, a insônia abandonou meus sonhos. Sua voz descrevia a viagem dos dias passados enquanto as mãos traçavam rotas em meu corpo, caminhos que iam da cabeça aos pés, cruzando fronteiras e buscando horizontes.

- porque você veio?
- você me salvou da última vez, quis retribuir o presente.
- eu nunca planejei te salvar, você sempre foi minha última opção.
- última e única.
- primeira.

Por mais que tentasse esconder, minha presença me denunciava. Ele sempre soube que fugi de quem tentava me fazer feliz. Os outros eram capazes de me entreter, mas eu nunca me contentei com simpatia e sorrisos falsos. Com ele, abandonava meu bom-senso e, se pudesse, não o deixaria. Mas os momentos juntos passam rápido e a partida me leva o boa noite. A minha boa noite.

- para onde vai agora?
- estou pensando em Praga, ou Budapeste. - Fique, e talvez eu fique também. Um sussurro.
- igrejas? santos? religião?
- ciganos. Verei minha sorte e meu destino em cartas.
- dos teus futuros caminhos ninguém nunca saberá, mas tua sorte eu te mostro – Me beijou, como só ele sabe. Odeio sua presunção, adoro seu beijo.

Antes de partir, sinto suas mãos me guiarem até a sacada. Amsterdã não brilha tanto quanto Paris, mas todas as estrelas estão devidamente em seus lugares. Pude enxergá-las, inclusive, em seus olhos, quando envolveu minha cintura e sussurrou em meu ouvido:

- eu fico. Por você, eu fico.

Eu sabia que em alguns dias ele partiria, mas, nesses poucos segundos, ele me fez feliz. E não desejei fugir. Dançamos a noite inteira.


12/03/2008